O prêmio “Bola de Ouro” (Fifa Ballon d'Or) é um prêmio concedido pela FIFA aos melhores jogadores de futebol da temporada.
Em 2017, os vinte primeiros colocados foram os seguintes jogadores:
Há um dado muito interessante nesta lista. O número de jogadores de ponta nascidos no início do ano é impressionante. Pouquíssimos craques nasceram nos meses finais do ano.
De fato, dos 20 jogadores que foram considerados os melhores do mundo em 2017, 14 nasceram nos seis primeiros meses do ano. Desses 14, 10 nasceram nos três primeiros meses do ano (janeiro, fevereiro e março). Em termos estatísticos, 70% dos jogadores nasceram entre janeiro e julho e 50% nasceram entre janeiro e março. Há claramente uma distribuição desproporcional de jogadores em relação ao mês de nascimento.
E o que há de estranho nisso?
Em princípio, não haveria nada de errado. O desvio poderia estar dentro da margem de aceitabilidade em uma amostra tão pequena de jogadores.
O problema é que, em praticamente qualquer amostra de futebolistas de alta performance, o mesmo tipo de padrão tende a se repetir. Por exemplo, a França foi a seleção campeã da Copa do Mundo de 2018. Dos 11 titulares escalados para a final contra a Croácia, havia 7 que nasceram nos 6 primeiros meses do ano, sendo que 5 nasceram entre janeiro e março. Ou seja, uma proporção praticamente idêntica.
A explicação para isso não está nos astros, nem necessariamente em um talento especial de quem nasce nessas datas. A resposta está nas oportunidades “aleatórias” que a sociedade constrói mesmo sem perceber.
Em geral, os jogadores são selecionados nas categorias de base por ano de nascimento. Quem nasce em 2006 jogará com quem nasce em 2006 e assim por diante. Para uma criança, alguns meses podem significar grandes diferenças em termos de aptidão e de desenvolvimento físico e cognitivo. E essas diferenças representam uma considerável vantagem para quem nasceu nos meses iniciais do ano.
A lógica é muito simples. Imagine que você seja uma criança de 6 anos que sonha em ser jogador profissional de futebol. Na sua escola, você participa de um jogo que irá peneirar aqueles que irão fazer parte da seleção. Você nasceu em dezembro de 2006 e irá competir com outras crianças que também nasceram em 2006, mas em outros meses do ano. A vaga de atacante está sendo disputada por você e outra criança que nasceu em janeiro de 2006. A diferença de idade entre vocês é de praticamente 12 meses, o que representa mais de 15% de todo o seu tempo de vida.
Ao iniciar a partida, todos percebem que a outra criança é maior, mais forte e mais rápida do que você. Além disso, ela também aparenta ser mais habilidosa com a bola, pois naturalmente acumulou mais tempo de treino. Não só o corpo dela terá algumas vantagens biológicas, mas também o cérebro, que pode ter desenvolvido alguns dendritos que você ainda irá desenvolver.
Nesse cenário, a chance de você ser escolhido é bem menor, pois o sistema está desenhado, involuntariamente, para beneficiar quem teve mais tempo para se desenvolver em termos cognitivos e motores.
Ao serem selecionadas ainda muito jovens para os times de elite, as crianças que nasceram nos meses iniciais ganharão mais confiança, passarão a ser mais exigidas e terão o melhor suporte de treino possível. Além disso, jogarão mais tempo, com mais intensidade e com melhores adversários. E assim, se tornarão cada vez melhores, pois acumularão mais tempo de uma qualificada prática deliberada.
É possível, portanto, que a divisão dos jogadores de base por ano de nascimento seja a causa da grande quantidade de craques que nasceram em janeiro, fevereiro e março, tendo em vista que a linha de produção para forjar os melhores jogadores começa a funcionar muito cedo na vida de uma criança. Se você não for carimbado com o selo de “craque em potencial” quando criança, dificilmente terá as oportunidades necessárias para alcançar a excelência.
Isso demonstra que o sucesso nem sempre depende apenas do talento, do esforço ou do mérito individuais, mas de uma mistura disso tudo com uma boa dose de oportunidades que surgem na vida. Quando assistimos a um craque em campo, tendemos a acreditar que a sua habilidade foi obtida graças a alguma dádiva divina. Na verdade, ele pode ter se tornado um esportista extraordinário porque se engajou eficientemente na prática deliberada em busca do aprimoramento contínuo e soube aproveitar as oportunidades que a vida lhe deu para alcançar a excelência. Em grande parte, isso é mérito dele, embora o dia de nascimento também possa ter dado uma ajudinha.
PS. Esse texto fazia parte da versão original do SuperAprendizagem. Não está na versão final para que o livro ficasse mais enxuto. A propósito, para conhecer o livro, é só clicar aqui.
PS2. A ideia envolvendo os jogadores de futebol que receberam o prêmio "Bola de Ouro" foi baseada em um estudo semelhante realizado com jogadores de Hockey, no Canadá, citado no excepcional livro Outliers, de Macolm Gladwell.
Muito bom o texto que perdeu espaço no livro.