Em tempos de irracionalidade coletiva, nada melhor do que falar sobre o pai de todos os vieses.
Então vamos lá.
Você ganhou 3 milhões de reais na loteria e resolveu investir em ações. O seu corretor de confiança sugeriu 6 empresas para você escolher 3. As opções foram apresentadas logo abaixo. Quais empresas você escolheria tendo apenas os nomes como fonte de informação?
Esse teste foi a base de um estudo bastante curioso elaborado por Adam Alter e Daniel Oppenheimer. Os pesquisadores queriam verificar se o nome de uma empresa teria o poder de influenciar o seu preço na bolsa de valores.
Para isso, eles selecionaram várias empresas, categorizando-as em razão da facilidade com que os nomes eram pronunciados (em língua inglesa). Por exemplo, as empresas Hillard, Barnings e Adderley são mais fáceis de pronunciar do que Creaumy, Yolumnin e Xagidban. Assim, se a hipótese se confirmasse, as pessoas tenderiam a escolher os nomes mais fáceis de pronunciar.
A análise do sucesso de empresas em uma situação real de mercado corroborou a hipótese. Após analisar a flutuação de preços das ações de várias empresas que tiveram seus nomes lançados na Bolsa de Nova Iorque, os pesquisadores perceberam uma forte correlação entre a fluência da pronúncia do nome das empresas e o seu preço. Em geral, as empresas com nomes mais pronunciáveis valorizavam nos primeiros dias de lançamento, mas esse efeito tendia a cair após alguns meses.
Nomes estranhos podem ativar automaticamente mecanismos de defesa, gerando um desconforto cognitivo. O medo, a aversão, a desconfiança são alertas instintivos, desenhados pela evolução, para aumentar as nossas chances de sobrevivência em um mundo cercado de perigos. Por outro lado, quando estamos diante de situações mais familiares, são as áreas do cérebro relacionadas ao conforto, ao prazer e à segurança que são ativadas mais intensamente.
É por isso que a familiaridade é uma das mais poderosas heurísticas ou atalhos mentais que o nosso sistema automático utiliza para montar a sua rede de preferências e orientar as nossas escolhas. Diante de um cardápio com opções que já conhecemos e outras opções completamente estranhas, escolheremos, na maioria das vezes, a alternativa mais familiar.
E isso nos leva a outro viés cognitivo muito poderoso, considerado o pai de todos os vieses: o viés de confirmação.
Para entender o viés de confirmação, gostaria que você fizesse um teste. Pesquise no Google se açaí faz mal ou faz bem para saúde. Na verdade, não precisa pesquisar. Basta responder que critério de busca você utilizaria para encontrar a resposta: (a) Benefícios do açaí; (b) Malefícios do açaí.
É bastante provável que, se você gosta de açaí ou pelo menos se imagina que açaí faça bem para a saúde, o seu critério de busca tenha sido “benefícios do açaí”. Essa é uma tendência automática ao procuramos alguma informação sobre um tema que já temos uma noção do que esperar. A tendência, no caso, é sempre buscar informações que confirmem nossas crenças, desejos e expectativas. Isso é o viés de confirmação.
Hugo Mercier prefere usar a expressão “viés do meu próprio lado” (myside bias) para se referir a esse fenômeno. Para ele, não há uma tendência apenas confirmatória. Na verdade, existe uma tendência de buscar razões, informações e argumentos de acordo com nossas crenças, sejam essas razões de suporte (se nós concordamos) ou de refutação (se nós discordamos). Assim, não seria tão adequado falar em viés de confirmação quando, muitas vezes, buscamos informações para refutar razões que não estão de acordo com as nossas hipóteses.
Mercier também defende que esse instinto de proteger o próprio lado tem vantagens biológicas. Quando há uma resistência a ideias opostas, tendemos a construir uma rede de conhecimento mais robusta.
Seja como for, o viés nos leva a uma perseverança de crenças. Tendemos a nos guiar por determinadas crenças pré-estabelecidas, buscando evidências que confirmem essas crenças e, ao mesmo tempo, rejeitando ou ignorando as evidências que surgem em sentido contrário.
Em um estudo seminal, publicado em 1954, os pesquisadores Albert Hastorf, do Dartmouth College, e Hadley Cantril, da Princeton University, demonstraram a ocorrência do viés de confirmação em um caso envolvendo a interpretação de um videotape de uma partida de futebol americano da liga universitária, entre os dois times das universidades em que Hastorf e Cantril lecionavam: Dartmouth e Princeton (HASTORF & CANTRIL, 1954).
O jogo foi tão acirrado e violento que, durante a partida, um jogador quebrou o nariz e o outro a perna. Como esperado, nenhum time assumiu a culpa pelas agressões ocorridas, imputando a responsabilidade ao adversário.
Uma semana após a realização do jogo, os pesquisadores mostraram o videotape para estudantes de ambas as universidades e pediram que eles fizessem uma avaliação isenta do que havia ocorrido. Os estudantes teriam que identificar as faltas cometidas e julgar de forma objetiva que time havia começado a violência.
Apesar de estarem vendo o mesmo jogo, os estudantes de Dartmouth tendiam a ver mais faltas dos jogadores de Princeton e vice-versa. Além disso, cada estudante tendia a culpar os jogadores do time oposto, acusando-os de terem começado as agressões. Havia, no caso, um claro viés de interpretar os fatos de modo a favorecer o próprio grupo (viés endogrupal ou myside bias), afetando, mesmo inconscientemente, a percepção dos espectadores sobre a real dimensão da violência praticada durante o jogo.
Para os pesquisadores, esse fenômeno ocorre porque tendemos a analisar os eventos a partir de filtros enviesados, derivados de preferências, desejos e crenças pessoais, mesmo quando nos esforçamos para ser objetivos. Nossa percepção e atenção são seletivas e tendem a ser afetadas pela nossa posição do mundo. Ou seja, os olhos funcionam, muitas vezes, como máquinas de confirmação, enxergando mais facilmente apenas aquilo que queremos enxergar. Nas palavras de Hastorf e Cantril, "não existe uma 'coisa' como um 'jogo' existente 'lá fora', por si só, que as pessoas apenas 'observam'. O 'jogo' 'existe' para uma pessoa e é experimentado por ela apenas na medida em que certos acontecimentos têm significado em termos de seu propósito" (HASTORF & CANTRIL, 1954, p. 133).
Essa prática também se confunde, de certo modo, com o chamado cherry picking, que é um vício bastante comum em pesquisa científica. O cherry picking é a tendência de selecionar a amostra de dados de acordo com as nossas preferências. Além disso, tendemos a realçar e a favorecer o que está de acordo com as nossas expectativas e a negar, ignorar ou distorcer o que não se ajusta às nossas hipóteses preferidas. No final, teremos sempre a “prova” de que estamos certos, porque o conjunto de provas foi arbitrariamente distorcido para se adequar às nossas premissas.
Em um experimento realizado em 1979 por Lord, Ross e Lepper, da Stanford University, foram apresentadas a vários estudantes que tinham posições antagônicas sobre a pena de morte duas pesquisas contraditórias sobre a eficácia da pena de morte para dissuadir a prática de crimes de homicídio. Um dos estudos demonstrava que a pena de morte tinha um efeito positivo na redução dos crimes de homicídio; o outro estudo demonstrava exatamente o oposto.
Ao serem instigados a analisar os dados contidos nas duas pesquisas de forma imparcial, os estudantes tendiam a valorizar mais a pesquisa que apoiava as suas crenças e a adotar uma postura crítica em relação à pesquisa contrária.
O resultado é que, ao final do estudo, os participantes estavam ainda mais convictos de suas crenças iniciais. Para os pesquisadores, as pessoas que têm opiniões fortes sobre questões sociais complexas provavelmente examinarão evidência empírica relevante de maneira tendenciosa, aceitando as evidências que confirmem e rejeitando as que se choquem com seus pontos vista (LORD, ROSS & LEPPER, 1979).
Os psicólogos denominal esse efeito de backfire (que pode ser traduzido como “tiro pela culatra”). Em alguns casos, as pessoas que possuem opiniões fortes sobre questões complexas tendem a examinar as evidências de uma maneira tendenciosa. A evidência de suporte é aceita facilmente, enquanto a evidência contrária é submetida a um rigor crítico mais intenso. Assim, mesmo a apresentação de dados objetivos pode ter o potencial de aumentar a polarização ao invés de diminuir.
Todos esses estudos demonstram que os julgamentos que realizamos se baseiam, muitas vezes, em fatores inconscientes que são automaticamente acionados mesmo que não tenhamos percepção disso. Nosso cérebro preencherá algumas lacunas factuais com os esquemas mentais embutidos em nossas mentes, tendendo a confirmar as expectativas previamente criadas. Algumas vezes, esses esquemas mentais nos levarão à solução correta e é justamente por isso que tendemos a confiar neles. Porém, em outras vezes, ocorrerão vícios de compreensão e, dificilmente, estaremos preparados para identificá-los.
Os dois quadrinhos ilustram, de modo satírico, como o viés de confirmação também poderia ocorrer no sistema de justiça:
PARA SABER MAIS:
A mente moralista - Jonathan Haidt
The Enigma of Reason: A New Theory of Human Understanding - Hugo Mercier
Cognitive Illusions - Rudiger Pohl
FONTES REFERIDAS
HASTORF, Albert H.; CANTRIL, Hadley. They saw a game; a case study. The Journal of Abnormal and Social Psychology, v. 49, n. 1, p. 129, 1954.
LORD, Charles G.; ROSS, Lee; LEPPER, Mark R. Biased assimilation and attitude polarization: The effects of prior theories on subsequently considered evidence. Journal of personality and social psychology, v. 37, n. 11, p. 2098, 1979.
MARMELSTEIN, George. Como compreender e conversar com alguém que não está disposto a mudar de lado. In: Direitos Fundamentais.NET (online), 2016
MERCIER, Hugo. Confirmation bias—Myside bias (p. 99–114). In POHL, Rüdiger F. (Ed.), Cognitive illusions: Intriguing phenomena in thinking, judgment and memory. 2ª Ed. Nova Iorque: Routledge/Taylor & Francis Group, 2016
MYERS, D. Psicologia Social. 10. ed. Porto Alegre: Artmed Editora, 2014.